Ganha força nas empresas brasileiras a campanha Janeiro Branco. Como uma página a receber formas e metas, a saúde mental e o bem-estar pedem espaço e envolvem os profissionais no ambiente de trabalho. Debater e enfrentar os transtornos mentais requer caráter de urgência.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, 47,9% dos profissionais tiveram aumento no número de consultas ao longo da pandemia, sendo que 89,2% dos psiquiatras identificaram tiveram sintomas agravados no período de quarentena em seus pacientes.
Quanto aos novos casos, cerca de 70% dos profissionais afirmaram receber novos pacientes após o início da Covid-19, todos sem qualquer sintoma psiquiátrico registrado anteriormente.
“São dados alarmantes mostrando que os impactos da pandemia vieram fortemente nas questões de saúde mental”, como explica a médica psiquiatra Raquel Tatiane Heep. “Depressão e ansiedade geram prejuízos profissionais: piora da concentração, sono ruim, piora nos relacionamentos interpessoais, faltas, baixa produtividade são exemplos de que a doença mental traz uma devastação também no ambiente corporativo”.
Nesta entrevista para a SBP Advocacia, a especialista aponta estratégias de prevenção e ação para a Saúde Mental no trabalho aos gestores, além de dicas práticas ao trabalhador para amenizar este “novo jeito de viver”.
A campanha “Janeiro Branco” chama a atenção para a Saúde Mental e Emocional das pessoas e das instituições. Neste primeiro mês do ano com todos mais propensos a pensarem em suas vidas e nas relações sociais, é possível preparar a saúde mental do ambiente corporativo?
Sem dúvidas. Em 1945, a Organização Mundial da Saúde (OMS) formulou o conceito onde a saúde é estabelecida em termos de bem-estar físico, mental e social.
A saúde deixou de ser vista como ausência de doença e assumiu um conceito mais amplo, onde se priorizaria a sua prevenção e promoção em sentido mais amplo.
Essa mudança de paradigma foi positiva e trouxe com ela maior responsabilidade das organizações frente à manutenção da qualidade de vida de seus trabalhadores.
O termo Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é utilizado nos Estados Unidos desde a década de 90, mas é na França onde encontramos cultura mais crítica e pesquisas mais intensas em relação às condições de trabalho e o bem-estar dos trabalhadores.
Os franceses difundiram conceitos da psicopatologia do trabalho, sofrimento no trabalho, organização do trabalho, questões sobre poder e inveja. Ou seja, a empresa já percebeu há tempos a necessidade de promoção da saúde mental à sua equipe.
Transtornos mentais, como estresse e depressão, afastam do trabalho mais de 200 mil pessoas por ano no Brasil, segundo dados do INSS.
Os gastos com auxílio-doença e aposentadoria ultrapassaram R$ 4 bilhões. Dos transtornos psiquiátricos, a depressão e a ansiedade são a principal causa de afastamento do trabalho. É fundamental estar preparado, tanto empresa como indivíduo.
Como implantar estratégias e políticas internas voltadas para a promoção da saúde mental nas organizações? Há dicas práticas também para o gestor no dia a dia?
Atuar preventivamente nos setores que são potencialmente estressores: trabalhadores noturnos, esforços repetitivos, gestão de pessoas, horas extras excessivas, enfim, áreas que podem ser mais facilmente desencadeadoras de doenças comportamentais.
Identificar precocemente doenças mentais, principalmente ansiedade e depressão. Toda doença que é inicialmente identificada, antes de cronificar e agravar, é muito melhor conduzida, com índices de cura significativamente maiores.
Iniciativas como formação de grupos psicoeducacionais pode ser um bom começo, além de contribuir para a integração e o aumento da produtividade. “Ganha o colaborador, ganha a empresa”.
O gestor deve encarar a saúde mental como um dos aspectos de mais impacto na produtividade e sucesso de sua equipe.
Estar atento a mudanças de comportamento, de rendimento e relacionamento são sinais facilmente identificáveis e que podem já serem sinais de alerta.
Medo de estabelecer e não cumprir metas profissionais. Somados aos impactos da pandemia, estamos mais ansiosos e fragilizados?
No início de junho, uma pesquisa com psiquiatras brasileiros mostrou que 47,9% dos profissionais tiveram aumento no número de consultas, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Além disso, 89,2% dos psiquiatras identificaram que seus pacientes tiveram sintomas agravados no período de quarentena.
Quanto aos novos casos, quase 70% dos profissionais afirmaram ter recebido novos pacientes após o início da pandemia, todos nunca tinham tido sintomas psiquiátricos.
São dados alarmantes mostrando que os impactos da pandemia vieram fortemente nas questões de saúde mental.
Depressão e ansiedade geram prejuízos profissionais: piora da concentração, sono ruim, piora nos relacionamentos interpessoais, faltas, baixa produtividade são exemplos de que a doença mental traz uma devastação também no ambiente corporativo.
Fake News, Home Office, mudanças drásticas de rotina, ruídos ou falta de comunicação entre as equipes, incertezas da manutenção do emprego. Como a construção de uma Cultura da Saúde Mental pode auxiliar um colaborador?
Quando a Saúde Mental é vista pela empresa como essencial, e esta propicia uma maior qualidade de vida no trabalho, todos saem ganhando. Pessoas mais felizes, que acreditam e confiam em seu empregador, produzem mais e melhor, faltam menos e tem menor probabilidade de desenvolver depressão ou ansiedade no trabalho.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que a depressão é a 2ª colocada entre as principais causas de incapacidade para o trabalho no mundo.
Falar em saúde mental numa empresa não é mais opcional, é regra! E falamos dos mais diversos cargos e níveis corporativos.
Todos estamos sujeitos a ter um transtorno mental, principalmente com agravantes como Pandemia. Lidar com incertezas é um estressor, e se cronificado gera doença.
No cenário atual as incertezas são muitas. O colaborador sente-se mais seguro quando vê da outra parte uma transparência, menos incertezas (impossível não ter nenhuma) e maior acolhimento como equipe, pensando nele como indivíduo integral, que não dicotomiza o ser dentro e fora do trabalho, e sim o vê como um ser integral, como realmente somos.
A sensação do estarmos em constante estado de Alerta. Como amenizar, rever e ressignifcar nossos pensamentos em tempos da Covid-19?
Um tempo de isolamento e sensação de perda de controle. Ninguém de nossa geração pensara passar por este momento. Parecia apenas filme de ficção. E hoje bate à nossa porta, causando, além da própria doença, de prejuízos econômicos a descompensação emocional.
E avançou no tempo mais do que pensávamos e sendo assim, mudou verdadeiramente nossa rotina. Segue algumas dicas práticas para amenizar este novo jeito de viver:
Administre a quantidade e qualidade das informações que você está recebendo. É importante estar informado, mas o exagero de informação pode gerar ansiedade.
Cuidado com notícias falsas. Busque uma fonte em que você confia.
Tire um momento do dia para ficar desconectado.
Lembre-se: O isolamento é físico, não é afetivo. Use as tecnologias, seja criativo. Manter as relações sociais seguras é fundamental.
Organize suas atividades em uma lista de tarefas. Sempre que necessário, atualize ou reorganize suas rotinas dentro do modelo de trabalho e isolamento proposto à sua situação.
Utilize seu tempo livre para tirar algum projeto pessoal da gaveta. Separe um tempo para cuidar só de você. Aprenda novas habilidades. Planeje momentos de descanso e relaxamento.
Cuide da sua alimentação, faça atividade física. Preze por uma boa noite de sono.
Faça uma lista ou um diário da gratidão. Escreva as coisas boas do seu dia. Vá além de pensar positivo, tenha ações positivas.
Saiba que não é fraqueza perceber-se impotente ou estar mesmo com um transtorno psiquiátrico. Procure ajuda. Tire o estigma, e não deixe a doença avançar. “Quando as coisas não estão bem em nossa cabeça, elas não estão bem em lugar nenhum.”
Médica Psiquiatra. Coordenadora Adjunta e Professora - área de Saúde Mental no curso de Medicina, Universidade Positivo. Mestre em Educação em Saúde pela Faculdade Pequeno Príncipe. Pós-graduada em Dor pelo Hospital Israelita Albert Einstein e pós-graduanda em Neurociências e Comportamento pela PUC-RS.
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