DISPENSA NO PERÍODO DE ESTABILIDADE DECORRENTE DE SUSPENSÃO DO CONTRATO E/OU REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO BASE DE CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO
Nos dias que sucederam à publicação da Lei 14.020, havida em 06.07.2020, algumas discussões interpretativas surgiram, especiosamente no que toca ao cálculo da indenização prevista na hipótese da rescisão antecipada, assim considerada aquela realizada antes de expirado o prazo de garantia de emprego determinado na própria lei, quando implementadas a redução de jornada e salário, bem como a suspensão do contrato de emprego.
Com o exaurimento do período de calamidade pública, no dia 31.12.2020 como previsto no Decreto Legislativo 6 de 2020, e com a notícia oficial de que não haverá renovação, ou prorrogação, do programa emergencial previsto na Lei 14.020/2020, se instala momento de forte tensão no que toca à possibilidade de aumento das rescisões contratuais, mesmo no período de garantia de emprego decorrente da adoção da suspensão e/ou redução da jornada e salários, e com essas, dúvidas interpretativas quanto a critérios para pagamento da indenização prevista na Lei 14.020/2020.
O art. 10 da lei, a exemplo do que já ocorria quando vigente a MPV 936, concede garantia de emprego durante o tempo em que acordada a redução e/ou suspensão, e por igual período após o encerramento. Utilizando exemplo, com a intenção de deixar as posições que serão tratadas mais claras e objetivas, será considerada a hipótese de contrato de emprego, que uma vez suspenso por 60 dias, gera direito à garantia de emprego por mais, e iguais, 60 dias após o encerramento do período de suspensão.
O §1º do mesmo art. 10, disciplina, que na rescisão do contrato de emprego, sem justa causa, no período de garantia provisória, caberá ao empregador pagar, além das verbas rescisórias ordinárias, uma indenização equivalente a percentual do salário “a que o empregado teria direito no período de garantia provisória de emprego”.
A celeuma instalada diz respeito à base de incidência dos percentuais estabelecido na lei (incisos do §1º, do referido art. 10), qual seja, a base de cálculo da indenização, se, a) todo o período de garantia de emprego, no exemplo antes mencionado 120 (cento e vinte) dias (60 dias de suspensão + 60 subsequentes); b) apenas o período após o término da suspensão (60 dias); ou c) apenas os dias restantes para exaurimento do período da garantia de emprego, a partir da data da rescisão, estivesse no curso da suspensão contratual (uma vez convocado a retornar ao trabalho com antecedência de 48 horas) ou no curso do período após retorno ordinário em face ao término do período de suspensão previamente ajustado.
Para tentar obter a interpretação mais adequada aos critérios histórico, social, econômico e gramatical, conveniente a adoção de excludentes que permitam chegar ao parâmetro mais razoável.
Entre os critérios “a” e “b”, acima, que são os que mais se aproximam em face ao sentido ampliativo do direito posto, cabe excluído de plano o critério “b”. Não faz sentido, na forma disposto no art. 10, imaginar que eventual indenização apenas contemple o período pós suspensão do contrato de emprego, lembrando por ora que se está fixando o raciocínio no exemplo acima, espraiando o mesmo entendimento para as hipóteses de redução de jornada e salário.
A garantia de emprego tem vigência desde o início da suspensão do contrato de trabalho, até idêntico período após sua cessação. Logo, não se pode conceber que a indenização prevista incida apenas sobre o período pós suspensão do contrato, levando em conta inclusive que pode ser interrompida com a convocação do empregado com 48 (quarenta e oito horas de antecedência), e na sequência rescindido o contrato.
Eliminada a interpretação do item “b”, restam as do item “a” (indenização calculada sobre todo o período de garantia de emprego, independente da data da rescisão contratual) e a do item “c” (indenização calculada sobre o período restante da garantia de emprego, considerado aquele contado a partir da data da rescisão contratual e o término do período de garantia).
Os critérios de indenização estabelecidos para os casos de garantia de emprego, dirigente sindical, cipeiro, aquele que sofreu acidente de trabalho e gestante, por exemplo, levam em conta o período que ainda remanesce da garantia, desconsiderando o período já fruído na vigência contratual. A lei em comento estabelece um padrão distinto para a indenização, qual seja, um percentual “do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória”.
A questão que se põe diz respeito, conforme item “a”, em considerar para cálculo da indenização todo o período ajustado, independentemente do momento da rescisão, ou então conforme item “c”, levar em conta para cálculo da indenização apenas o período remanescente, considerada a data da rescisão contratual.
A resposta parece passar por aqueles critérios de interpretação acima indicados, seja histórico, social, econômico ou mesmo gramatical, que orientam a fundamentação.
O critério “a” é, sem dúvida, ampliativo, na medida em que considera, diferentemente dos padrões do Direito do Trabalho, período já decorrido. O critério “c”, por sua vez, também sob o prisma dos padrões do Direito do Trabalho, é restritivo, porque estaria considerando, não a integralidade do período restante de garantia de emprego para a indenização, mas apenas um percentual incidente sobre o remanescente, observada a data da rescisão contratual.
Pois bem. O momento histórico, social e econômico, que prescindem de comentários mais largos e que abrangem, estado de calamidade pública, desemprego massivo com possibilidade de constante agravamento, empresas com prejuízos sem precedentes, sem considerar as que estão “fechando” as portas, não autorizam atribuir interpretação ampliativa no sentido de considerar que a lei em referência está fixando uma base de indenização acima dos padrões ordinários do Direito do Trabalho, que contempla nos casos de garantia de emprego, para fins de indenização, apenas o período faltante excluindo aquele já transcorrido.
O sentido da própria Lei, sem considerar os relevantes aspectos acima, mesmo que perfunctoriamente citados, estabelece ampliação de direitos ou restrição de direitos? Certamente, uma lei extremamente restritiva. Restringe salários, estabelece renúncia sob as óticas fiscal e previdenciária, empenha valores não previstos no orçamento para pagamento de benefício emergencial, e tudo isso com o objetivo de tentar salvaguardar empregos e dar às empresas algum fôlego, indispensável para superar a realidade que aflige o País e o Planeta.
O “espírito” da Lei 14.020 não permite interpretar conforme a letra “a”, ou seja, não se pode conceber indenização que extrapole, ampliativamente, os padrões ordinários do Direito do Trabalho.
Sem considerar os relevantes aspectos mencionados, sob a ótica gramatical não se sustenta a interpretação ampliativa da letra “a”. O texto da lei estabelece o direito a uma indenização restrita a um percentual, não à integralidade. E indenizar é ressarcir sobre a “perda do patrimônio”. Tecnicamente não se pode considerar o direito a indenizar sobre prejuízo que não se constata com base no que a Lei guarnece, e neste aspecto se enquadra o período já decorrido da garantia de emprego. A indenização abrangeria apenas o período restante da garantia de emprego, a partir da data da rescisão contratual. Entendimento diverso, e que estaria alinhada com a interpretação da letra “a”, implicaria considerar não uma indenização como estabelece a lei, mas uma espécie de multa ao empregador que realizar a dispensa em período vedado, o que não é contemplado e contraria a semântica das expressões utilizada na lei.
E por fim, importante a análise do tempo verbal utilizado no texto (“... do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego,”), que é o “futuro” do modo indicativo. O salário a que o empregado “teria” direito, ou seja, aquilo que ainda não recebeu e que receberia, aquilo que não usufruiu ou o que foi impedido de usufruir, em decorrência de um fato que está no passado (suspensão do contrato de emprego, como no exemplo seguido. E o salário que não recebeu, diz respeito exclusivamente ao período restante, aquele entre a rescisão contratual e o “dies ad quem” da garantia de emprego, sobre o qual deverão incidir os percentuais estabelecidos nos incisos do §1º do art. 10 da Lei 14.020.
Concluindo, mercê dos três critérios de interpretações no início deste texto destacadas, a que se revela, sob todas as óticas, consone ao texto legal, é a de letra “c”, qual seja, a indenização prevista por rescisão do contrato de emprego, no período de garantia de emprego, deverá considerar, só e tão somente, o tempo restante, aquele entre a rescisão contratual e o término da garantia. E porque também não acrescentar, que é critério de “Justiça” tratar as situações desiguais de forma desigual. Imaginem-se duas situações contemplando o mesmo valor indenizatório. A do empregado, cujo contrato foi suspenso por 60 dias e que terá a garantia de emprego por 120 dias, sendo dispensado no 61º dia do início da suspensão e outro empregado, que nessa mesma situação, teve o contrato rescindido no 119º do início da suspensão. Seria razoável terem, ambos, direito ao mesmo valor a título de indenização?
Enfim, interpretações diferentes que deverão ser levadas em conta, em face da realidade, balizadas pelo momento de forte crise econômica e que deságua em índices de desemprego preocupantes e todas as consequências que dessa situação decorrem.
Artigo SBP Advocacia
Adalberto Caramori Petry
Advogado, formado pela Universidade Federal do Paraná em 1990.
Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 2011.
Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ) em 2000.
Professor de Direito Processual do Trabalho e de Direito Material do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
OAB-PR 17.803
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